segunda-feira, 27 de maio de 2013

A poeira e o vento.

O vento sopra onde quer, e ouves o seu som; mas não sabes de onde ele vem nem para onde vai; assim é todo que é nascido do Espírito (Jo 3.8)
Alguém definiu avivamento como o “o sopro de Deus para tirar a poeira acumulada no decurso dos anos, no período variável de tempo compreendido entre o avivamento anterior e o momento atual” (Revista Ultimato). Possivelmente Jesus Cristo deve ter pensado nessa limpeza quando conversava com Nicodemos (Jo 3). Podemos dizer que Nicodemos fazia parte de um grupo de religiosos empoeirados. Aliás, ele era um dos mais empoeirados. Era líder e não recebera esse título à toa. Na cultura farisaica, o líder seria aquele que carregava de modo impecável toda a tradição e a declarava como sendo a maior riqueza de sua vida (Lawrence H. Schiffman). Os fariseus valorizavam a masorti (tradição) como valor fundamental da religião e declaravam sua validade por todo o tempo, até a vinda do Messias. Como não reconheceram Jesus como tal, continuaram a manter a tradição judaica. Por certo estavam ‘empoeirados’ pelo passar de tantos anos sem mudança.

Em uma conversa franca e feita às escondidas — talvez para que a poeira não fosse vista facilmente — algumas verdades sobre a vida de Nicodemos vieram à tona. A primeira delas é que mesmo sendo fariseu — ou seja, religioso — ele não tinha convicções espirituais. Literalmente se escondia atrás da religião. Defendia sua fé, mas desconhecia o Senhor. Ao detectar isso, Jesus afirmou diretamente: “Você precisa nascer de novo” (v. 3). Em outras palavras: “Não dá para consertar você... temos que começar do zero...”. E esse recomeço não estava relacionado ao farisaísmo, mas sim a Nicodemos. Ele é que precisava mudar. Ele é que deveria experimentar o novo nascimento.

Outra verdade da vida de Nicodemos é que, apesar de sua preparação acadêmica e religiosa (“Tu és mestre em Israel”, v. 10), ele não tinha relacionamento com Deus. Sua religiosidade tratava de coisas terrenas e humanas, mas não das espirituais (v. 12). Os fariseus haviam transformado a religiosidade em “tradição humana”. Por isso temos no Novo Testamento expressões como: “tradição dos anciãos” (Mt 15.2, Mc 7.3), “vossa tradição” (Mt 15.3, 6) e “tradição dos homens” (Mc 7.8, Cl 2.8). Por estar tão preso à tradição humana ele desconhecia o amor de Deus, a vida eterna e outros assuntos espirituais (v. 13-21). Nicodemos era um religioso perdido, mestre na tradição, mas aluno reprovado na fé.
Qual seria a esperança de Nicodemos? Primeiramente a salvação, que ele aparentemente não tinha. Mas com ela um avivamento, um soprar do vento de Deus para tirar do lugar toda a poeira acumulada dos últimos anos. E, se considerarmos a opinião de Lawrence H. Schiffman, Nicodemos deveria ter mais do que trinta anos de farisaísmo para ocupar um cargo de liderança. Imagine quanta poeira não ficou acumulada durante esse tempo todo.

Naquela noite, a vida de Nicodemos passou por uma grande transformação. O vento de Deus soprou sobre ele de uma maneira singular, e ele experimentou grande avivamento pessoal. Ainda hoje o vento de Deus continua a soprar produzindo efeitos semelhantes. Não é o “movimento do ar”, mas sim o “movimento de Deus”. É Deus limpando, tirando a poeira e revitalizando vidas. Essa manifestação surpreendente de Deus recoloca a igreja em seu primeiro amor, produz convicção e confissão de pecado, desejo sério de santificação pessoal, renovação das certezas da fé e do entusiasmo que elas criam, renúncia da soberba e da autossuficiência, anseio por Deus e prazer de ler com proveito a Palavra e de orar ao Senhor. O avivamento leva a igreja a redescobrir a pessoa e a obra do Espírito Santo, sem o qual nunca será possível vencer o pecado, a pressão do mundo e a força do mal.

Na história, foram registrados alguns ventos de Deus que produziram grandes resultados. Eles foram chamados de Grandes Avivamentos. Graças ao primeiro (1725-1760) e ao segundo (meados do século seguinte), muitas escolas, universidades e seminários cristãos foram fundados nos Estados Unidos. Entre as Universidades estão as de Princeton, Pensilvânia, Rutgers, Brown e Dartmouth. Por meio dessas instituições de ensino, o espírito de avivamento era transmitido a muitos jovens. Charles Dodge, um dos três teólogos mais famosos do século 19, por exemplo, converteu-se por ocasião de um avivamento na Universidade de Princeton (1815). Nessa época, muitos jovens tornaram-se missionários. Em 70 anos de história (1812-1882), o Seminário de Princeton formou 3.464 rapazes em 150 cursos diferentes. Destes, 204 foram para os campos missionários — como Ashbel Green Simonton, fundador da Igreja Presbiteriana do Brasil. Todos os primeiros missionários da Junta Americana de Comissionados para Missões Estrangeiras, fundada em 1810, são frutos do avivamento. Entre eles estão Hiran Binghan, missionário no Havaí; Adoniram Judson, missionário e tradutor da Bíblia na Birmânia (hoje Myanmar); Luther Rice, missionário na Índia; e Jonas King, missionário na Palestina e, depois, na Grécia. Pelo menos quarenta estudantes convertidos na Universidade de Rochester, no estado de Nova York, tornaram-se pastores e missionários. Entre as dezenas de sociedades missionárias surgidas como resultado do Segundo Grande Avivamento está a histórica Sociedade Bíblica Americana (1816). No avivamento ocorrido na Universidade de Yale, no Connecticut, em 1831, o jornalista Horace Bushnell (1802-1876) teve uma profunda experiência de conversão e, aos 29 anos, trocou o curso de direito pela teologia, tornando-se um pastor congregacional e teólogo notável.

Quando o vento de Deus sopra, muitas vidas se convertem. Segundo Bruce Shelley, em 3 anos (1740-1742), o Primeiro Grande Avivamento acrescentou cerca de 50 mil membros só às igrejas da Nova Inglaterra. Entre 1750 e 1760, formaram-se 150 novas comunidades eclesiásticas, sem falar na contínua proliferação dos batistas. Williston Walker, da Universidade de Yale, acrescenta que — por intermédio dos reavivamentos, das organizações missionárias e das sociedades voluntárias — denominações outrora sem grande expressão vieram a se destacar. Os metodistas, de 15 mil membros em 1784, passaram a mais de 1 milhão em menos de 70 anos. Na primeira metade do século 19, os batistas aumentaram oito vezes. Só em Rochester, no estado de Nova York, 100 mil pessoas tornaram-se membros de alguma igreja.

O mais notável em todo esse movimento de Deus é que ele começa individualmente. Jesus não falou que os fariseus deveriam nascer de novo, mas sim Nicodemos. Ele é que precisava de convicção espiritual e relacionamento com Deus. Era sua poeira que precisava ser removida. Nós, individualmente, precisamos desse vento que leva para longe os traços de uma vida reprovada por Deus. No entanto, o importante a destacar é que, após a poeira ser retirada, o vento continua a soprar, com muito mais intensidade, para nos dirigir, nos movimentar, e nos levar para onde Deus nos quer. Aquele que é nascido de Deus é levado pelo vento. Não o vento das falsas doutrinas, do entusiasmo humano ou do emocionalismo descomprometido, mas sim o vento de Deus, a ação direta de Seu Espírito, que nos faz crentes limpos e nos leva a promover limpeza nesse mundo contaminado pelo pecado.
Fonte: Revista teologia brasileira.

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